24/06/2020
Mesmo após retorno positivo em maio, maioria do segmento segue abaixo do CDI no ano, em especial no crédito privado. Para diretora da Luz, falta esclarecimento sobre riscos e volatilidade da renda fixa

A investidora e o investidor talvez não estejam entendendo nada. Quando consultam os saldos de suas aplicações, veem em queda as fatias aplicadas em ações e em fundos que nelas investem – “faz sentido”, devem pensar, pois sabiam que o caminho da renda variável pode ser sinuoso, e quem poderia prever o misto de chicana e penhasco da pandemia?
Na sequência, porém, pode vir uma indagação, e talvez indignada: “Mas por que meus fundos de renda fixa estão perdendo ou rendendo quase nada?”
A situação é muito comum após a covid-19. Segundo um levantamento da Luz Soluções Financeiras divulgado com exclusividade pelo Valor Investe, quase três em cada quatro (74,5%) fundos de renda fixa tiveram retorno negativo ou menor que o CDI (1,57%) entre 1º de janeiro e 31 de maio. E isso após um mês de maio em que quase todos os nichos da renda fixa tiveram retornos positivos.
Em casos mais acentuados, alguns produtos – de renda fixa, vale lembrar – estão perdendo quase o dobro, neste ano, do que o Ibovespa, o principal índice de ações da bolsa.
Por outro lado, amplia o estranhamento o fato de que diversos desses fundos de renda fixa tiveram retornos de duas a quatro vezes maiores que a referência do Certificado de Depósito Interbancário (CDI).
Mais uma vez a dúvida: por que isso acontece? Porque a renda fixa também implica riscos e volatilidade, embora diferentes daqueles da bolsa de valores.
O que se costuma chamar de renda fixa são investimentos cujos rendimentos são conhecidos, ou previsíveis, no momento do aporte, desde que carregados pelo investidor até o vencimento. Contudo, ainda que chamadas de “fixas”, o que transmite uma (falsa) ideia de imutabilidade, essas aplicações são atreladas a referenciais que, por sua vez, variam conforme a música. Quando a orquestra segue a partitura, indicadores como o IPCA (base da renda fixa pós-fixada, por exemplo) têm comportamento previsível.
Mas quando sobrevém, no mundo real, um evento inesperado e impactante (como a propagação de um vírus mortal), esses indicadores variam. Como também varia a disposição do restante do mercado em comprar os títulos antes do vencimento, o que pode gerar prejuízos para quem precisa vender nesta condição apressada suas aplicações prefixadas.
“Nesse ano atípico, mesmo perfis conservadores e que em geral aplicam só em renda fixa também tiveram prejuízos”, comenta Sara Marques, diretora da Luz e responsável pelo levantamento.
“Muitas vezes é difícil explicar para um participante que a renda fixa oscila. Falta um conceito mais pormenorizado sobre as diferentes abordagens que há nesse segmento. Afinal, existe diferença entre pouco risco e nenhum risco. E mesmo o zero arriscado, como o CDI, pode não ter risco de mercado, mas tem o de oportunidade, de deixar parado dinheiro rendendo menos que o FGTS”, ela completa.
Ela ressalta que a situação fica mais sensível quando se leva em conta que esses dados retratam muitas vezes a reserva de aposentadoria, ou seja, a parcela das economias que, por instinto ou estudo, todos tratam de maneira mais conservadora que o restante das economias.
Fixa, mas instável
A diretora da Luz explica que o foco do levantamento são os fundos de pensão, ainda que não exclusivos – há produtos que seguem as diretrizes da resolução 4.661/2018 da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), a autarquia do Ministério da Fazenda que regula a previdência privada, mas que são abertos a pessoas físicas e empresas.
Para entender como ficou a indústria de fundos de renda fixa após a pandemia do novo coronavírus, Marques e sua equipe analisaram 298 fundos, distribuídos conforme a Classificação Luz. Esse critério divide os fundos em três grandes grupos (beta, alpha e crédito privado), cada um com duas a quatro segmentações, totalizando oito subcategorias.
Dessas oito, apenas duas tiveram rendimentos acima do CDI nos cinco primeiros meses do ano, e três ainda têm perdas.
O encaixe dos fundos nessa classificação é autodeclaratório, ou seja, o gestor insere seu produto em uma determinada categoria, e pode alterá-la conforme mude a estratégia de investimentos. “A gente usa isso para monitorar os fundos, ranqueando-os em estrelas, de zero a cinco, para que se possa contextualizar o cliente com relação aos pares que há no mercado”, explica a diretora da Luz.
Crédito privado: altíssima volatilidade
De acordo com Marques, entre os fundos de pensão dedicados à renda fixa, aqueles classificados como de crédito privado são, no geral, os de pior retorno em 2020, o que ela credita a um choque entre o otimismo que imperava a respeito das empresas que estavam emitindo papéis de crédito versus as incertezas impostas a elas pela pandemia.
Dois deles se destacam negativamente: o Capitania INFL Cred Priv FI Renda Fixa, com queda de 39%, e o BTGPACT Emissões Prim II Fi RF Cred, com impressionante queda de 49,69% até o fim de maio – é quase duas vezes a perda do Ibovespa no período, de cerca de 25%.
Mas o mesmo time do crédito privado também detém o fundo com melhor retorno no ano (8,66%) entre os quase 300 analisados, em um sinal da altíssima volatilidade alimentada pela covid-19.
Tamanha oscilação, diz Marques, acende um alerta sobre a demanda por educação financeira. “O crédito privado sofreu muito com a pandemia. Em março, já víamos uma queda abrupta nos rendimentos dos fundos de debêntures, e uma enorme volatilidade, com alguns produtos com retorno alto, o que vai contra o que se espera da renda fixa. É preciso conhecer os riscos dos investimentos, mesmo na renda fixa; todo investidor precisa estar ciente”, destaca.
Fonte: Valor Investe