29/05/2020
A retração de 1,5% vai marcar o início de mais um período recessivo no Brasil. O resultado do primeiro trimestre deverá ser apenas um aperitivo das péssimas notícias que virão no segundo

A economia brasileira encolheu no primeiro trimestre 1,5% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, sofrendo com o recuo do consumo das famílias, pelo lado da demanda, e com a queda da indústria e dos serviços, pelo lado da oferta. A atividade econômica já havia começado o ano em ritmo fraco, mas o tombo do trimestre se explica pelos efeitos da pandemia da covid-19, que levaram a medidas de isolamento social a partir de meados de março. Foi a maior baixa do Produto Interno Bruto (PIB) desde o recuo de 2,1% registrado no segundo trimestre de 2015, no auge da recessão que durou do segundo trimestre de 2014 ao quarto trimestre de 2016.
A retração de 1,5% vai marcar o início de mais um período recessivo no Brasil. O resultado do primeiro trimestre deverá ser apenas um aperitivo das péssimas notícias que virão no segundo. De acordo com a mediana dos analistas ouvido pelo Valor Data, a economia brasileira deverá encolher entre abril e junho 11,1% em relação aos três primeiros meses do ano. Ainda que o confinamento não seja dos mais rigorosos em grande parte do país, há uma paralisia da atividade econômica, evidenciada em números como a queda de 99% da produção de veículos em abril na comparação com o mesmo mês de 2019.
Pelo lado da demanda, o consumo das famílias recuou 2% em relação ao quarto trimestre do ano passado, num quadro de perspectivas muito negativas para o mercado de trabalho. Foi a maior baixa nessa base de comparação desde os 3,1% do terceiro trimestre de 2001, durante a crise do apagão de energia elétrica. O consumo das famílias é o principal componente da economia pelo lado da demanda, respondendo por quase dois terços do PIB.
O investimento, por sua vez, teve alta de 3,1%, um resultado surpreendente, puxado pela importação de máquinas e equipamentos para o setor de petróleo e gás. Esse movimento compensou o mau desempenho da produção doméstica de bens de capital e da construção civil. Já o consumo do governo subiu 0,2%.
Nesse cenário, a chamada demanda doméstica final (o consumo das famílias, o consumo do governo e o investimento, excluindo a variação de estoques) recuou 0,8% em relação ao trimestre anterior, nas contas de Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs.
Ainda pelo lado da demanda, o setor externo teve contribuição negativa para o resultado do PIB, de 0,51 ponto percentual, nos cálculos de Ramos. As exportações caíram 0,9% em relação ao trimestre anterior, enquanto as importações cresceram 2,8%.
Pelo lado da oferta, os serviços, com peso de mais de 70% no PIB, recuaram 1,6%. As chamadas outras atividades de serviços levaram um tombo de 4,6%, puxado pelos serviços prestados às famílias. O segmento de transporte caiu 2,4% e o de informação e comunicação, 1,9%.
A indústria também foi mal no primeiro trimestre, com baixa de 1,4%. O setor extrativo teve retração de 3,2%, enquanto a indústria de transformação recuou 1,4%. A construção civil acumulou mais um desempenhou ruim, encolhendo 2,4%.
A agropecuária foi o único setor que se salvou, com crescimento de 0,6% no primeiro trimestre. O peso do setor no valor adicionado, porém, é de apenas 5,2%.
O resultado do primeiro trimestre já foi muito negativo, a despeito de refletir o impacto das medidas de isolamento social em resposta à pandemia apenas a partir de meados de março. O segundo trimestre será muito pior, mostrando por completo o efeito dessas iniciativas. Como o combate à doença no Brasil é errático e há falta coordenação entre o governo federal, Estados e municípios, é grande o risco de que a retomada seja lenta quando começarem as medidas de abrandamento da quarentena.
Além disso, as tensões no cenário político, com as seguidas crises causadas pelo governo de Jair Bolsonaro, contribuem para manter a incerteza em nível elevado, o que atrapalha em especial as decisões de investimento. Para o ano, há projeções de queda do PIB de 7% a 8%, com alguns analistas considerando possível uma retração na casa de dois dígitos.
Fonte: Valor Investe