Os anos recentes têm se caracterizado por nos trazer um conjunto de novos “fenômenos” econômicos, impensáveis de ocorrerem até pouco tempo. “I have no reason to think that will change” – Jerome Powell, presidente do FED.

Alexsander luiz de queiroz – cuidados com a saúde da visão

Desde os 3 anos uso lentes para corrigir uma tremenda hipermetropia. Esse distúrbio me faz enxergar com imperfeições objetos próximos. Já na miopia, é a visão de longe que fica prejudicada. Metaforicamente, tenho a impressão que vivemos, nos tempos atuais, um mundo onde cada olho está com um dos problemas; chama-se antimetropia.

Faço essa analogia pois os anos recentes têm se caracterizado por nos trazer um conjunto de novos “fenômenos” econômicos, impensáveis de ocorrerem até pouco tempo. O ponto é que o entendimento sobre eles tem sempre, pelo menos, duas óticas.

O principal deles, como já mencionei em texto aqui neste espaço, é a emissão de dívidas com taxa de juro negativa em alguns países centrais. Mas existem outros, igualmente relevantes. Semana retrasada, por exemplo, participei do Seminário de Conjuntura Macroeconômica, na FGV-RJ, no qual os palestrantes se mostraram apreensivos em relação ao que está ocorrendo na economia global, com eventuais consequências sobre a nossa.

Quero deixar claro que não comungo dessa mesma percepção. Porém, por dever de ofício, tenho que estar atento.

Já faz um tempinho que o ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers apresentou um diagnóstico para explicar o torpor da economia global, que ele chamou de “Estagnação Secular”. Recentemente, a “Folha de S.Paulo” publicou entrevista com ele sobre o tema. Na oportunidade do evento da FGV, o economista José Júlio Senna fez uma brilhante exposição sobre o assunto. A tese é controversa, e dela deriva uma séria de outras, como a “japanificação” de economias centrais, que também já abordei em artigo anterior.

O que quero discutir é que, para superar esse quadro adverso que acometeu a economia mundial, no pós-crise de 2008, supostas novas teorias vêm ganhando terreno. Uma delas é a chamada “MMT” (Moderna Teoria Monetária), que, por aqui, foi encampada pelo economista André Lara Resende. Será que teríamos como adotá-la? Respondo abaixo.

Tentando explicar de forma simples, se supusermos que a moeda facilita as transações, além de funcionar como unidade de conta, sua larga aceitação se dá pela possibilidade de usá-la para pagarmos os bens e serviços de que precisamos, além dos impostos. Como vivemos num sistema onde o Banco Central tem poder estatal para imprimir moeda (é um monopolista), pela MMT o governo tem, em tese, um cheque em branco, pois sempre que necessário emitirá moeda para gastar e estimular a economia.

Nesse ponto, a discussão recai sobre o papel da política monetária e do financiamento do déficit público, bem como do próprio Banco Central. Em última análise, o que os adeptos da MMT advogam é que os bancos centrais perderão parte significativa de suas importâncias na condução da política econômica. Por quê?

Pela “nova” teoria, admitindo que a causa fundamental da inflação seja o excesso de demanda em relação à oferta potencial, ela deixa de ser um problema, desde que o governo conduza um nível de déficit público condizente com o PIB de pleno emprego. Em sendo assim, o banco central poderia ser “integrado” ao ministério da Economia e não precisaria mais se utilizar de taxas de juros elevadas para combater os preços em alta. Basta, para tal, que se elevem os impostos, reduzindo as passageiras pressões sobre a demanda. Isso se dá porque haverá menos renda à disposição da sociedade para consumir. Ou seja, a política monetária (banco central) perde seu papel de atuar sobre a atividade econômica, ficando o protagonismo com a política fiscal. Mas não é só…

Um dos diversos pontos polêmicos, implícitos na proposição da MMT, deriva da forma como mercado e Tesouro irão interagir, uma vez que a compra de títulos ocorreria diretamente do Banco Central, que, por sua vez, financiaria umbilicalmente o Tesouro. Assim, a questão de risco de calote tende a ser pouco relevante em um país que emite a própria moeda, o que seria positivo.

Venho argumentando, no entanto, que, no Brasil, ainda não temos instituições suficientes maduras, daí podermos nos ver diante do risco de o governo não honrar seu compromisso de calibrar os impostos adequadamente para controlar os preços, com efeitos sobre sua dívida. A solução para essa “cilada” seria o Tesouro indexá-la ao IPCA. Porém, caso sucumbamos à tentação de “um pouquinho de inflação é bom”, com a dívida totalmente indexada, o déficit muito provavelmente sairia do controle. Seria como o cachorro correr atrás do rabo. Assim, até onde a minha vista alcança, não vejo como essa teoria ser aplicada por aqui.

A MMT tem muitos adeptos nos EUA, sobretudo nas hostes democratas. Já o banco central parece refutar a ideia. Basta olharmos a frase acima de “Jay” Powell, após a decisão de setembro, quando o FED reduziu sua taxa de juros em 0,25 ponto percentual. Ele se referia à maneira como o comitê tem agido em relação às decisões de política monetária que, na opinião dele, estão sendo tomadas “encontro a encontro”. Ou seja, em sua visão, assim permanecerá. Daí a importância de sua independência.

Como mencionei no início, se vivemos com antimetropia, é um erro ficarmos escolhendo com qual olho queremos enxergar, dependendo de nossas crenças. Sou dos que pensam que os bancos centrais são muito relevantes e continuarão a sê-lo. Se partirmos para experimentos por demais audaciosos, quando abrirmos o outro olho, pode ser tarde.

Fonte: Valor Investe – https://valorinveste.globo.com/blogs/alexandre-espirito-santo/post/2019/09/problemas-de-visao.ghtml