30/03/2020

As finanças comportamentais mostram várias atitudes que fazem os investidores se colocarem em verdadeiras armadilhas, especialmente em momentos tão conturbados como o atual

Desde que o coronavírus ganhou força pelo mundo e se tornou uma pandemia, o Ibovespa (principal índice da bolsa brasileira) já chegou a cair mais de 15% durante um pregão e depois subir mais de 5% num outro dia. É difícil acreditar que haja alguma racionalidade num movimento tão acentuado como esse, tanto para cima quanto para baixo.

Pois bem, não há mesmo. Assim como existem pessoas que estão lavando as mãos a cada minuto e achando que o coronavírus é um prenúncio do fim do mundo, enquanto outras acham tudo uma grande bobagem e estão levando a vida normalmente, os ativos financeiros perderam totalmente a referência e junto os investidores, que agem comprando e vendendo papéis sem saber bem por quê.

Nesse momento de tanta indefinição e tão poucas explicações, as finanças comportamentais (uma linha da economia que nasceu na década de 80 para explicar movimentos econômicos além da exatidão dos números) ajudam a identificar várias atitudes (o que no jargão do mercado são conhecidas como “vieses”) dos investidores, que não explicam a totalidade do cenário, mas no mínimo justificam a magnitude desse tsunami que assolou o mercado, sem o menor sinal prévio de alerta.

“Essa é uma crise de saúde importante e concreta, mas os ‘vieses’ comportamentais dos investidores ajudam a potencializar a crise. E é isso que está acontecendo”, diz Aquiles Mosca, presidente do grupo consultivo de investidores da Anbima, superintendente comercial da BNP Paribas Asset Management e um especialista em finanças comportamentais no Brasil.”

Na análise de Mosca, observando as últimas duas, três semanas, quando o mercado virou de ponta cabeça, é possível identificar várias atitudes (ou “vieses”) dos investidores, que de racional elas não têm nada.

Manada, não de bois, mas de investidores

A primeira e mais famosa entre elas é o movimento de manada. Isso nada mais é que seguir o que os outros estão fazendo, sem ao menos saber se o caminho que este grupo está tomando é o certo, ou simplesmente nos leva para o abismo. Segundo Mosca, há várias explicações para as pessoas terem esse tipo de comportamento. A primeira é que agir com a maioria sempre traz conforto.

A segunda é que nós, humanos, costumamos atribuir racionalidade na atitude do outro, especialmente quando este outro é um grupo muito maior. “Se eles estão vendendo as ações e querendo sair do mercado a qualquer custo é porque eles estudaram e chegaram a uma conclusão racional para tomar essa atitude”, explica Mosca. O detalhe é que, assim como você, muitos deles (para não dizer todos) pensaram da mesma forma. E o resultado final é que ninguém ali dentro daquela manada tem a mínima ideia porque vende tão desesperadamente aquelas ações, muitas delas já na bacia das almas.

Outra explicação para esse movimento de manada é o medo de errar sozinho. Na mente humana, é muito mais reconfortante errar junto com o grupo do que deslizar sozinho. E, por fim, há sempre o incomodo de ficar para trás. Em português claro: ninguém que ver o vizinho enriquecer e ficar chupando o dedo, portanto, eu irei aonde ele for, mesmo que, mais uma vez, ele esteja indo para o precipício.

“O ser humano não tem medo da pobreza e sim da desigualdade”, diz Mosca. Ele lembra que o movimento recente em bitcoins é um excelente exemplo do temor das pessoas de ficarem fora da festa. “A quantidade de pessoas que investiu em bitcoins no último ano é infinitamente maior do que o número de pequenos investidores que entraram em ações. Elas compraram essas moedas virtuais porque o amigo comprou e disse que era ótimo. No entanto, elas entendem muito menos (ou quase nada) desse mercado do que o que acontece na bolsa de valores”, explica Mosca.

Ampliação de riscos aparentes

Uma outra atitude fácil de identificar nos investidores neste momento é o que as finanças comportamentais chamam de “ampliação de riscos aparentes”, que é a tendência que nós, pobres mortais, temos de focar muito mais nos fatores de risco dos acontecimentos. Não que esta crise não seja grave, e nós já vimos que ela é sim. Mas a gente só consegue pensar nessa gravidade, 24 horas por dia, e na hora de investir não poderia ser diferente.

“Se o momento atual é importante, negativo e requer atenção redobrada de todos, qualquer movimentação de investimento minha vai corroborar esse cenário. Portanto, eu terei muito mais disposição de vender ações do que comprar, que requer acreditar que o dia de amanhã será melhor, inclusive, para as empresas”, ilustra Mosca.

Ele lembra que recentemente fez-se um estudo com um grupo de pessoas, apresentando a elas um antibiótico (fictício, claro), com todos os seus benefícios, mas também os seus efeitos colaterais. Essas pessoas precisavam falar para outras sobre esse novo remédio, seus prós e contras. Como uma espécie de brincadeira de criança de telefone sem fio, ao final, da mensagem original transmitida tinha sobrado apenas os efeitos colaterais. E mais, outros malefícios tinham sido inventados durante essa grande conversa. Ou seja, o remédio, de antibiótico virou veneno, tudo por causa da ampliação dos riscos aparentes.

Saliência

A terceira grande atitude que se reconhece neste momento de esquizofrenia do mercado é batizado pelas finanças comportamentais de “efeito saliência”. É quando uma informação está muito disponível (no caso atual, a pandemia e suas consequências na saúde pública e na economia) e, por esse motivo, ela ganha proporções muito maiores do que de fato ela já é.

Mosca cita o exemplo de um acidente aéreo. Quando ele acontece, toma as páginas de todos os jornais pelo mundo, está em todos os rádios e telejornais. Tradicionalmente, um dos primeiros efeitos é o aumento entre 25% e 30% dos cancelamentos de passagens aéreas, para qualquer destino e de qualquer companhia aérea. Mesmo sabendo que a chance de um avião cair é de 1 em 14 milhões, acrescenta Mosca.

Trazendo para o momento atual, o “efeito saliência” nada mais é que os investidores assustados com tudo que estão ouvindo e vendo sobre a pandemia e transferindo todo esse pânico para a gestão do seu dinheiro. A pandemia está tão saliente (para usar a mesma palavra) no nosso dia a dia que o investidor mal consegue ver o dia de amanhã. A sensação é de fim de mundo, mesmo.

Risco ou incerteza?

As finanças comportamentais também apontam que há duas situações no mínimo delicadas para o investidor. Uma é a “situação de risco”, quando eu consigo mensurar prós, contras e, portanto, achar uma resposta racional e exata para o momento. A outra é a “situação de incerteza”, que é a que vivemos neste momento, quando não se conhece todos os cenários possíveis, não se sabe ao certo o que pode acontecer, portanto, é muito difícil atribuir alguma probabilidade disso ou daquilo acontecer.

“E nesses momentos de incerteza o que se recomenda fazer? Nada, absolutamente nada. É preciso aguardar para se ter mais informações e daí sim chegar a conclusão de qual o melhor caminho a seguir. Quem agir agora, com esse nível de imprevisibilidade, seja comprando ou vendendo, investindo ou resgatando tem chances muito maiores de errar do que num momento mais claro”, explica Mosca. Você pode ter a sorte de acertar muito ou de errar nessa mesma intensidade. E sorte não é exatamente a melhor palavra quando o assunto é dinheiro. A não ser que você esteja num cassino.

Portanto, para não cair nas armadilhas comportamentais – e você pode cair sim, afinal de contas é alguém de carne e osso -, o melhor que você tem a fazer agora com o seu dinheiro é NADA.

Fonte: Valor Investe