16/07/2020
Com alta liquidez e juros cada vez mais baixos, os investidores não só estão interessados em comprar mais papéis de risco, como estão viabilizando megaofertas

A retomada de apetite por ofertas de ações no mercado brasileiro após o auge da pandemia surpreendeu banqueiros e empresas emissoras. Com alta liquidez e juros cada vez mais baixos, os investidores não só estão interessados em comprar mais papéis de risco, como estão viabilizando megaofertas, em portes acima da média do que vinha sendo feito antes da crise.
Somente nas últimas semanas, a Via Varejo levantou R$ 5 bilhões em uma oferta subsequente e há dois dias a Lojas Americanas levantou R$ 7,9 bilhões, em uma operação em que parte do dinheiro vai ajudar a capitalizar a B2W, em uma outra oferta de ações somente para os atuais acionistas (subscrição privada), que deve ficar em torno de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões, conforme duas fontes.
O Valor apurou que o supermercadista Grupo Mateus está tocando seu processo de IPO para buscar entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões. A reestruturação do grupo Cosan também deve resultar em duas ofertas, já estimadas acima dos R$ 4 bilhões. Gestores comentam ansiosos sobre rumores de que o grupo hospitalar Rede D’Or pode finalmente vir a mercado, em uma oferta gigantesca que daria saída parcial ao fundo Carlyle.
Outras duas operações grandes voltaram à agenda: o “follow-on” da ordem de R$ 13 bilhões de ações da JBS, detidas pelo BNDES, e o IPO da Caixa Seguridade, que mira entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões.
Há ainda uma série de ofertas, feitas ou a caminho, entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões — o banco BTG Pactual captou R$ 2,7 bilhões em um follow-on e a Natura, R$ 2 bilhões em subscrição privada. O Grupo de Moda Soma, que precifica seu IPO na semana que vem, já tem demanda de seis vezes a oferta, o que pode fazer a operação ficar na casa de R$ 2 bilhões.
O Valor ouviu bancos de investimento sobre essa movimentação, que ressalvaram que não falariam sobre operações específicas. “Não é algo pontual. As megaofertas vieram para ficar e se explicam pela liquidez muito grande neste momento e juros muito baixos”, diz Roderick Greenlees, chefe global de banco de investimento do Itaú BBA. Ele cita uma série de iniciativas de bancos centrais no mundo todo de injetar capital na economia, inclusive no Brasil.
“Até os clientes não entendiam como podia fazer sentido falar em operação multibilionária em plena crise mundial, mas há uma busca de diversificação para esse capital abundante”, diz. “Pode parecer contraintuitivo, mas muitas vezes é mais fácil viabilizar oferta grande do que pequena, de uma empresa que os investidores ainda precisam conhecer”, diz Greenlees. Isso porque operações de grande porte são necessariamente de grandes empresas, mais conhecidas.
A disputa pelos mesmos papéis e a disposição ao risco vêm da oferta limitada de opções. “Falta ativo na bolsa e sobra dinheiro. Muito fundos estão fechados hoje para captação porque não têm capacidade de alocar mais”, diz Pedro Mesquita, chefe de emissão de ações da XP Investimentos. Alguns analistas consideram que, tendo voltado aos 100 mil pontos em um cenário de economia fraca, a bolsa brasileira já ficou cara.
Isso poderia ser um alerta de eventual redução de interesse de investidores em comprar mais. Mas, para os emissores, não parece ser um problema. “Enquanto os juros estão baixos e com perspectiva de queda, o caro pode ser o viável. A bolsa precisa de mais empresas para que haja uma acomodação em termos de preços, já que a questão é de oferta e demanda”, avalia Mesquita.
Para Jean Pierre Dupui, vice-presidente do Santander responsável pelo banco de investimento, o cenário de juros também é o principal vetor para a retomada rápida do mercado de ações. Ele ressalta que, por isso, tem sido tão baseada no mercado doméstico. “Esse crescimento tem sido sustentado por investidores locais”, afirma Dupui, que vê espaço para operações de diferentes portes.
Para os executivos, essa migração de investimentos de baixo risco para ações, que alimenta as ofertas, não é infinita — mas ainda pode ser da ordem de centenas de bilhões. “Quando o investidor olhar o retorno de seu CDB, fundo de renda fixa ou poupança, vai descobrir que já tem retorno real negativo ou muito próximo disso. Esse fluxo de migração para a renda variável continuará até que as taxas de juros voltem a subir”, diz Greenlees.
No Soma, dono das marcas Animale e Farm, a expectativa inicial era levantar cerca de R$ 1,5 bilhão, mas com a demanda alta a operação deve saltar para R$ 2 bilhões. Em algumas marcas, a empresa conseguiu fazer 80% das vendas que faz em tempos normais, sendo que o único canal aberto era o on-line, disseram duas fontes, daí o interesse do investidor.
Assim como têm feito outras empresas, a operação do Soma conta com tranche secundária somente se houver alocação adicional, o que reforça que a maioria das companhias está privilegiando dinheiro em caixa à capitalização do atual acionista. Antes da crise, uma parcela relevante das emissões foi apenas secundária.
Muitas das megaofertas estão relacionadas a setores que surpreenderam durante a pandemia, como o volume de negócios no e-commerce para alimentos e eletrônicos, ou maior demanda em saúde. Há ainda companhias que tiveram perda forte de caixa e precisam de capital de giro ou mesmo aquelas que veem oportunidade de comprar concorrentes que ficaram fragilizadas.
Fonte: Valor Investe