17/03/2020

Humberto Dantas – Consultor Associado da 4E Consultoria, doutor em Ciência Política pela USP

Os últimos dias marcaram uma espécie de isolamento do presidente Jair Bolsonaro que pode tornar o ambiente político nacional ainda mais complexo diante do caos que o mundo enfrenta por conta do Covid-19 e da crise do Petróleo. Descrente nos severos efeitos da doença, o Planalto tem emitido sinais alternados de cuidado e enfrentamento que fogem completamente àquilo que se espera em termos de responsabilidade do mandatário maior de uma nação presidencialista. Nos últimos dias uma coleção de atitudes coloca Bolsonaro diante do mais complexo isolamento. Diferente do que podemos pensar, não estamos falando de um isolamento clínico, tendo em vista que 12 membros da comitiva nacional que foi aos Estados Unidos testaram positivo para a doença até a tarde de 16 de março e que o presidente chamou absurdamente de uma tentativa de Golpe de Estado, mas sim do risco de ele se afastar ainda mais de qualquer possibilidade de governar o país graças a perda de aliados e ataques às demais instituições democráticas nacionais.
Bolsonaro parece fora de controle nesse instante. Ilustra esse comportamento a não participação do presidente na reunião com líderes políticos do continente que ocorreu na manhã do dia 16. A ausência foi compensada pelo ministro Ernesto Araújo, que após passagem pelos Estados Unidos se impôs, segundo o Estado, uma autoquarentena. Os presidentes de Argentina, Peru, Chile, Equador, Colômbia e Bolívia estiveram na videoconferência, que segundo a Folha de S. Paulo ocorreu no âmbito do Prosul, organismo internacional criado em 2019 por governantes do continente.
Ademais, ao longo do dia, uma reunião entre o procurador-geral da República e os presidentes da Câmara, Senado, STF, STJ e TST na sede do Supremo discutiu a questão das medidas contra o Coronavírus. Bolsonaro também não esteve presente, comparecendo Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde, que explicou os planos do Executivo nacional.
Adicionalmente à ausência nessas duas importantes reuniões, tivemos o comportamento completamente bipolar em relação aos manifestos do último domingo. Antes dos atos, o presidente fez um pronunciamento oficial em rede nacional de rádio e TV onde apesar de desmobilizar algo que ele apoiou parecia mais compromissado em reiterar o caráter legítimo e necessário das ações. No domingo, com os atos esvaziados por conta da pandemia, fez questão de ir às ruas em comitiva de veículos oficiais e se aproximar fisicamente dos manifestantes, dando apoio e posando para fotos. O gesto contrariou mensagem de seu ministro da Saúde, a quem muitos sugerem que deixe o cargo, o que aprofundaria a crise. Importante lembrar que na sexta-feira passada a notícia de que o presidente testara positivo para a doença foi veiculada pelo canal norte-americano Fox, e desmentida pelo filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O repórter que recebeu a informação acusou o parlamentar de ter lhe dado a notícia e depois ter mudado de ideia.
Dada sua participação nas manifestações, Bolsonaro foi acusado de afrontar os limites do razoável por aliados e chefes de outros poderes. Entrou em rota de colisão com Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e com Davi Alcolumbre, presidente do Senado. À CNN fez declaração onde desafiou os chefes do Congresso Nacional a saírem nas ruas para testarem suas popularidades. Ao apresentador Datena, do Grupo Bandeirantes, destacou que o combate à doença virou uma “guerra de poder” e que tinha a obrigação de saudar o povo. Em determinado momento foi além e reclamou “que está há 15 meses ‘levando pancada’ e que agora vai começar a revidar”. A questão é imaginar o que seja “começar a revidar” diante de tudo o que foi dito nesse período. Onde Bolsonaro imagina chegar, e na companhia de quem? Para completar o cenário, a despeito da aparente pouca força política, o ex-aliado e deputado federal do PSDB-SP, Alexandre Frota, afirmou que a peça que preparou pedindo o impeachment de Bolsonaro será apresentada na terça-feira (17/3) e está “tecnicamente impecável”.
Ao longo dos últimos dias, completa o ambiente a declaração do jurista Miguel Reale Júnior, para quem o presidente precisa passar por avaliação médica que ateste sua sanidade mental. Nessa mesma direção, no pequeno expediente da Assembleia Legislativa de São Paulo, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL) fez duras crítica a Bolsonaro, pediu sua deposição, afirmou estar arrependida de seu voto e o acusou de irresponsável diante da crise do Covid-19.
Por fim, no sábado, a morte de Gustavo Bebbiano, ex-ministro e presidente interino do PSL durante todo o processo eleitoral de 2018, tendo sido diretamente responsável pela campanha de Bolsonaro, sequer foi comentada pelo presidente. A despeito das diferenças que levaram à demissão do subordinado com menos de 50 dias no governo, e de algumas declarações ácidas contra a família em duas entrevistas ao programa Roda-Viva, o Planalto não emitiu sequer nota de pesar. Coube ao vicepresidente Hamilton Mourão, em suas contas pessoais nas redes sociais, externar condolências e destacar que tal gesto independia de diferenças políticas.
O isolamento político de Bolsonaro está às portas de um adensamento significativo da crise política no país. Crise que vai se somar à crise internacional, e agora nacional, do Covid-19. O quadro de incertezas políticas e econômicas se alterou significativamente na última semana. Muito provavelmente vamos seguir revisando o crescimento do PIB para baixo.

Fonte: 4E Consultoria