27/01/2020
Participação dos 5 maiores pelo critério de ativos caiu de 74% para 70% desde 2015

Os cinco maiores bancos do país — Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander e Caixa — perderam participação no segmento dos clientes milionários (conhecido como private banking) desde 2015. A fatia saiu de 74% para 70% até a metade de 2019, para R$ 1,203 trilhão, segundo mapeamento feito pela Roland Berger, antecipado para o Valor. Ainda que o grupo top 5 do ranking bancário brasileiro mantenha posição dominante, o decréscimo de participação tem pressionado o retorno sobre o patrimônio dessa linha de negócios, saindo da casa dos 30% para algo perto de 20%, de acordo com a consultoria alemã.
No intervalo avaliado, avançaram instituições menores e grupos estrangeiros, com destaque para nomes como BTG Pactual, XP Investimentos, Credit Suisse, BNP Paribas e GPS/Julius Baer. A seguir a dinâmica dos últimos anos, se não fizerem nada, os grandes grupos financeiros vão perder mercado e receitas, diz António Bernardo, presidente da Roland Berger no Brasil e América Latina. A consultoria estima um recuo potencial de participação dos bancões de 10 pontos percentuais nos próximos cinco anos.
“Os bancos têm que se ajustar. Esse é um negócio de R$ 3 trilhões e vale a pena porque não consome muito capital e o retorno pode ser de mais de 30%”, diz Bernardo, referindo-se às projeções para os valores de quem tem mais de R$ 1 milhão em patrimônio financeiro até 2022, fatia local e externa. No private banking, as instituições atendem quem tem a partir de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões. Para o executivo, as mudanças não têm sido feitas na velocidade necessária.
O surgimento de novos modelos de negócio, com plataformas como a XP Investimentos ou BTG Pactual chegando ao investidor por meio da assessoria casada com tecnologia e oferta de fundos de investimentos típicos do universo do private banking estão na raiz da transformação em curso, afirma Guilherme Vitolo, diretor-executivo da Roland Berger.
A queda da Selic, do fim de 2016 para cá, de 14,25% para 4,5% ao ano, por sua vez, levou o investidor a sair da renda fixa tradicional e trouxe mais valor para os serviços de aconselhamento prestados pelos escritórios de gestão de fortunas independentes, ou pelos agentes autônomos de investimentos.
“São modelos que têm buscado proximidade e relacionamento com o cliente que antes tinha a maior parte do dinheiro com os principais bancos e, pouco a pouco, vem dividindo em duas ou mais”, afirma Vitolo.”
Nos três últimos anos, o BTG Pactual praticamente dobrou o volume de ativos sob o seu guarda-chuva na área de gestão de riquezas, chegando a R$ 160 bilhões. Em 2019, até o fim do terceiro trimestre, teve um captação líquida da ordem de R$ 20 bilhões. Para Rogerio Pessoa, sócio responsável pela área no banco, os próximos anos tendem a ser igualmente promissores, muito em função de o Brasil transitar para um modelo macro que permite ter juros nominais baixos e taxas reais menores ainda.
“É um cenário nunca visto no Brasil. Os dias de ficar sentado em LCI e LCA de grande banco estão contados”, diz. O investidor tem buscado outros ativos não só na renda variável, em empresas listadas, mas também em private equity, venture capital, crédito privado e opções no exterior.
Várias gerações O crescimento de uma estirada pegou carona no desenvolvimento da plataforma do BTG Pactual Digital, conta Pessoa, ao trazer mais velocidade para o atendimento. “Os grandes usuários são integrantes da segunda ou terceira geração [das famílias], mas os mais antigos também têm se tornado mais sofisticados e passaram a usar a tecnologia.”
Antes da oferta de ações na Nasdaq, a XP Investimentos declarava a intenção de atingir R$ 250 bilhões em ativos no private até o fim de 2020, dentro da meta global da empresa de chegar à marca de R$ 1 trilhão em custódia. “Estamos bem adiantados, na metade do sonho”, diz Beny Podlubny, chefe global da plataforma de private, sem expor os números atuais. No mercado, estima-se que a XP tenha cerca de R$ 90 bilhões nessa área.
Uma combinação de atendimento próprio com a capilaridade dos agentes autônomos tem auxiliado na expansão. “Os grandes bancos, de maneira geral, passaram muito tempo no mundo dos juros altos, comprando [para o cliente] renda fixa do próprio banco em operações muito triviais. A XP foi a casa que buscou investimentos [diversos] com um pouco mais de tecnologia e educação [financeira]”, diz. “Quando quer LCI, LCA ou CDB, o cliente vai no bancão, mas quando busca algo diferente já procura a XP.”
Podlubny conta que o investidor que já testou algum produto da XP tem ampliado a parcela na plataforma, que nos últimos anos ficou mais conhecida — o anúncio da compra de quase metade da empresa pelo Itaú em 2017, e todos os holofotes que se seguiram até a aprovação do negócio pelos órgãos reguladores, além do IPO recente deram a sua contribuição.
Com novos participantes na disputa é natural que os volumes das instituições líderes sejam diluídos, mas o segmento de private banking segue crescendo, diz Francisco Lassalvia, gerente de private bank do Banco do Brasil (BB). Ele diz que ao longo do ano passado, o volume sob gestão do BB cresceu cerca de 15%, para a casa dos R$ 200 bilhões, em linha com o mercado, considerando-se os dados da Anbima.
Uma das estratégias de defesa tem sido ampliar a estrutura física. O BB abriu, no ano passado, 14 escritórios e vai inaugurar mais um nas próximas semanas para um total de 26 unidades, que se conectam a 84 plataformas dedicadas às famílias mais endinheiradas. “Ainda que tenhamos desenvolvido muita ferramenta digital, a necessidade é estar próximo do cliente porque o relacionamento pessoal é mais valorizado pelo público do private do que pela alta renda ”, diz Lassalvia.
Ele acrescenta que dos investimentos em tecnologia, o BB colocou à disposição do “banker” — o executivo que faz o relacionamento com o cliente — um cadastro relacional. Isso significa uma oferta mais assertiva de produtos de investimentos e também de certos “mimos”, como eventos esportivos ou gastronômicos.
Na plataforma aberta, hoje são 50 fundos de terceiros ou espelhos — que replicam a estratégia original de assets independentes —, com um total de 70 portfólios dedicados ao público private. A segmentação foi aperfeiçoada, com a criação de mais um perfil, para um total de sete, a fim de acomodar o investidor disposto a tomar mais risco, diz Lassalvia. “Com a Selic baixa, o cliente vai querer tomar mais risco. Dentro de casa, com as parcerias, vamos buscar mais volatilidade, sim. Em tesouraria, há ainda uma carteira de LCA [Letras de Crédito do Agronegócio] grande e o investidor tende a migrar.”
Um dos melhores anos
O Itaú teve, em 2019, um dos seus melhores anos no private banking, tendo atraído R$ 42 bilhões em dinheiro novo, conta Carlos Albertotti, diretor comercial da divisão. Contando com a fatia internacional, atingiu a marca dos R$ 500 bilhões. Pelas métricas da instituição (base Anbima), com R$ 386 bilhões de recursos geridos localmente, o banco atingiu uma participação recorde de 30,7% em 2019, em comparação a 28% de dezembro de 2017. Incluindo a competição nova — nem todos reportam seus números à entidade —, a participação de mercado ainda é alta, de mais de 20%, calcula.
Para reter o investidor e conquistar novos, Albertotti diz que o banco buscou ser inovador nas ideias de investimentos, valendo-se da estrutura da asset, de fundos de fundos e de opções internacionais. Fez muita pesquisa para ouvir o cliente e a partir disso percebeu que não bastava acertar nas recomendações.
“Muitas vezes você acha que está próximo porque o patrimônio está bem gerido, mas ele também quer ouvir opinião de mercado, o que o banco acha do ambiente político e econômico internacional, por exemplo.”
Sem que o mercado brasileiro nos últimos anos tenha apresentado muitos eventos de geração de riqueza — em 2019 só 433 grupos econômicos entraram para o clube do private banking —, tem sido a combinação de plataforma aberta, com tecnologia e uma carteira de clientes por banker menor do que a média do mercado que ajuda o Safra a ter crescimento na casa de dois dígitos, diz Fernando Cruz, diretor de gestão de riqueza do banco.
“O que a gente tem feito é procurar produtos cada vez mais exclusivos”, diz. Ele cita fundos de venture capital, private equity, fundo quantitativo, de previdência com alocação em ações e ofertas 476 [restritas] que o banco estrutura. “Em geral, o private já é bem aberto [a terceiros] e o que a gente fez foi abrir mais com o crescimento de novas assets, além de trazer casas internacionais.”
Fonte: Valor Investe