24/04/2020
Mesmo com a bolsa mostrando certa recuperação nos últimos dias, a moeda americana segue subindo

O dólar opera acima dos R$ 5,70 nesta sexta-feira, o que já leva muitos brasileiros a se questionar se e quando a moeda americana chegará no patamar dos R$ 6. O Banco Central, inclusive, anunciou hoje a realização de um novo leilão de venda à vista da moeda estrangeira para conter a alta. A estratégia tem sido usada nas últimas semanas, mas não tem sido o suficiente para fazer o real voltar a se valorizar perante o dólar. Mas, afinal, por que a divisa norte-americana está subindo tanto, justamente quando a bolsa tem mostrado alguma recuperação (falamos aqui das últimas semanas, e não de hoje)? E será que existe espaço para a moeda voltar a cair no curto prazo?
Por que está subindo?
Segundo alguns especialistas, uma parte dessa “culpa” pode ser atribuída à pandemia da covid-19. Já a outra parte, à instabilidade política em Brasília. A falta de segurança política (agravada pelas saídas de ministros como Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça) leva também a uma insegurança econômica. Por isso, investidores preferem apostar em ativos estrangeiros, incluindo a moeda norte-americana. E aí, com menos dólar dentro do Brasil, o preço da moeda fica mais caro.
“O papel das expectativas está preponderante nesse movimento. A gente vê uma busca por refugo no dólar, que tem uma resiliência mais forte que nossa moeda”, afirma Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
Um exemplo, segundo o analista, são as empresas importadoras que precisam da moeda americana para pagar determinados custos e despesas. Com um cenário de incerteza, elas acabam comprando mais essa moeda para fazer uma reserva para eventuais dificuldades (estratégia chamada de “hedge”).
Essa insegurança, aliada ao cenário de juros baixos no país, que faz com que títulos públicos rendam menos, também afasta o investidor estrangeiro da bolsa e dos ativos brasileiros. Para Fernando Bergallo, diretor de câmbio da FB Capital, quem mais tem tirado dinheiro do Brasil é o investidor estrangeiro, e não o brasileiro. É por isso que o movimento da bolsa está tão descolado do movimento do dólar, em vez do tradicional “bolsa para um lado, dólar para o outro”.
“O Brasil tem muito mais liquidez do que outros países emergentes”, explica Bergallo. “O investidor estrangeiro que está precisando de dinheiro urgente prefere vender suas ações brasileiras, porque sabe que aqui vai ter comprador. O giro é grande.”
Nesse ambiente, a crise política grave em um momento de instabilidade fiscal grande, em que o governo está gastando o que economizou com a tão aguardada reforma da Previdência, faz o investidor estrangeiro querer sair da confusão. E enquanto isso, o brasileiro, especialmente a pessoa física, não tem muita alternativa a não ser investir em bolsa, com a taxa básica de juros, a Selic, em 3,75% ao ano, perigando cair ainda mais.
“É o brasileiro que tem segurado o Ibovespa, principalmente a pessoa física. Não é à toa que vimos o estrangeiro tirando dinheiro da bolsa e um aumento exponencial de CPFs de pessoas físicas”, diz Bergallo.
Além disso, durante a crise do coronavírus, muitas empresas não estão conseguindo exportar e, portanto, não estão trazendo dólares para dentro da economia, o que só piora o cenário e também faz o dólar subir.
Vai chegar a R$ 6?
Nas próximas semanas, o dólar deve ficar mais perto de R$ 6 do que de R$ 5 e, segundo os especialistas, pode sim bater nos R$ 6.
Primeiro, a lógica: quanto maior o estresse no cenário político e econômico, mais a moeda subirá. E só faltam 5% de alta para que o câmbio supere esta nova marca histórica (nominal).
Na semana passada, segundo o Boletim Focus do Banco Central, a média dos analistas de mercado esperava que o câmbio fecharia o ano em R$ 4,60. Na última segunda-feira (20), com a crise mais grave e ainda antes do pedido de demissão do ministro Sergio Moro, a estimativa subiu para R$ 4,80 — e vale notar que o Focus demora um tempo até refletir as revisões de todos os analistas que alimentam a pesquisa..
Para Flavio Byron, sócio da Guelt Investimentos, é possível que a moeda norte-americana continue subindo. Isso porque não há, por enquanto, uma perspectiva de que o cenário político se acalme e a que economia comece a se recuperar. “O cenário político piorou nossa situação, porque tudo ficou mais difícil. Agora, uma aprovação da reforma administrativa ou tributária ficou mais longe. Além disso, os planos de privatizações também estão parados”, afirma.
As privatizações poderiam ajudar a fazer a moeda norte-americana cair no país. Isso porque empresas estrangeiras poderiam concorrer às concessões, e trazer dólares de fora. Agora, no entanto, Byron acredita que isso está mais longe. “Mesmo com a pandemia, uma empresa não deixaria de concorrer a privatização de uma ferrovia de 35 anos, por exemplo. Mas quando ela vê que no país há uma briga do Executivo com o Legislativo, ela desiste”, afirma.
Quando vai cair?
Para Byron, da Guelt, a queda depende da estabilidade política. Para ele, mesmo as ações pontuais do Banco Central, como os leilões à vista ou swaps, não são suficientes. “Dependemos de um cenário político mais tranquilo. A interferência do BC é mais ou menos como espremer uma mola. Se todo o cenário que está ruim melhorar, você consegue espremer a mola e fazer com que ela não volte ao patamar original. Mas se pressiona essa mola através de swap ou [leilão] à vista e o cenário em volta começa a degradar, quando soltar a mola, ela irá crescer com muito mais força”, afirma.
FONTE: Valor Investe