28/07/2020
Esse mercado assustou muitos investidores durante a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. No entanto, agora, está no começo de uma lenta recuperação, pagando bem. Veja como investir
Com juros tão baixos no Brasil, há quem diga que a renda fixa foi para o espaço e que até o pequeno investidor precisa escalar até a bolsa se quiser ter retornos mais altos no longo prazo. No entanto, há vários degraus para percorrer e acrescentar riscos nos investimentos antes de chegar nas ações. Um deles fica ainda na renda fixa e está pagando bem, segundo especialistas: o crédito privado.

São títulos emitidos por empresas para se financiar, como debêntures e letras financeiras. O jeito mais indicado para o pequeno investidor comprar esses títulos é por meio de fundos de crédito privado.
Esse mercado assustou muitos investidores durante a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. No entanto, agora, está no começo de uma lenta recuperação, de acordo com gestores. Ou seja, é hora de comprar, antes que fique caro.
No pior momento do mercado em 2020, investidores correram, em um movimento de manada, para vender cotas de fundos de crédito privado, com medo do que poderia acontecer com as empresas e com a economia. Consequentemente, gestores de fundos tiveram que vender títulos bons a qualquer preço para pagar os cotistas.
Em abril, o IDA – DI, índice de debêntures da Anbima, chegou a amargar uma queda acumulada no ano acima de 8%. Depois disso, o indicador mostrou uma forte recuperação, como os outros investimentos de risco do mundo, mas ainda está no terreno negativo no ano. Hoje, o IDA-DI acumula uma queda de -0,8% em 2020.
O movimento de recuperação dos preços dos títulos de empresas mais negociados no Brasil, e consequentemente, de queda nas taxas oferecidas para compradores, está só começando, de acordo com especialistas. A remuneração exigida pelos investidores para comprar crédito privado ainda está alta.
Apesar das taxas dos títulos privados mais negociados no mercado terem diminuído desde o auge do estresse, há papéis com bons riscos de crédito oferecendo o CDI — uma taxa quase igual à taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 2,25% ao ano — mais um adicional entre 3% ao ano e 4% ao ano. Nada mau em tempos de juros deprimidos.
É importante ressaltar que a Selic tende a continuar baixa por um longo período. Os economistas esperam que a taxa básica de juros chegue a 2% ao ano no fim deste ano e a 3% ao ano no final de 2021, segundo o Boletim Focus do Banco Central.
O que esperar daqui para frente
O Brasil está atrasado no movimento de correção dos preços de títulos corporativos em relação ao que aconteceu no mercado nos Estados Unidos. No entanto, vários fatores sugerem que a demanda por esses papéis vai aumentar e, consequentemente, causar a valorização dos títulos.
No mercado, há a percepção de que os estímulos do Banco Central e do governo têm surtido efeito na recuperação dos investimentos de risco e na economia. Assim, o risco de crédito das empresas tende a diminuir. O pior já ficou para trás, de acordo com especialistas.
Uma notícia em especial durante a pandemia trouxe conforto e um motivo a mais para o mercado confiar no crédito privado. O Congresso aprovou a possibilidade do Banco Central comprar títulos de crédito privado, caso seja necessário, para ajudar a estabilizar as taxas em momentos em que todo mundo quer vender seus papéis, como já aconteceu. Isso já é feito pelos principais bancos centrais do mundo, como o Federal Reserve (Fed), o banco central nos Estados Unidos.
Os retornos esperados são bastante atraentes especialmente nos títulos dos fundos chamados “high grade”, no jargão do mercado, ou seja, de emissores que são mais confiáveis e têm menos chance de trazer dor de cabeça a investidores por algum problema de crédito.
Esses títulos, de grandes empresas, continuam sendo negociados com taxas equivalentes às de emissores de altíssimo risco, enquanto as ações dessas companhias já acumulam altas expressivas. Ou seja, os papéis estão oferecendo taxas altas aos investidores, mas a chance real de empresas sólidas não pagarem suas dívidas e darem calote é pequena. E cabe aos gestores dos fundos encontrarem essas barganhas.
“A economia mudou, as empresas estão passando por grandes dificuldades, mas isso normalmente está mais restrito às pequenas e médias. Grandes empresas têm musculatura financeira, conseguem captar recurso mesmo na crise e, via de regra, saem mais forte”, diz Ulisses Nehmi, diretor-presidente e sócio da gestora de fundos Sparta. “A qualidade de crédito das empresas que não sofreram com inadimplência continua bastante boa, apesar da dificuldade momentânea.”
Segundo Nehmi, a recuperação da bolsa, que voltou a ultrapassar a marca dos 100 mil pontos durante a pandemia, mostra que investidores estão confiantes de que as maiores empresas do país já atravessaram o período de maior incerteza. No entanto, de acordo com o gestor, investidores têm mais medo de crédito privado do que da bolsa no Brasil, o que, na sua avaliação, é irracional. Nehmi lembra que poucas empresas grandes até agora tiveram sua nota de crédito rebaixada pelas agências de classificação de risco.
“Quando começar a ter uma melhora nas classificações de risco das empresas, o investidor que quer ganhar dinheiro já deveria ter se posicionado”, afirma. “É momento bom para aproveitar, e não deixar para investir depois por causa do resultado passado.”
Crédito privado e reserva de emergência não combinam
Uma consequência do risco de crédito estável e do retorno alto é uma diminuição dos resgates dos fundos de renda fixa como um todo, observada desde abril. Ainda assim, nos fundos de renda fixa, os saques superaram as captações em R$ 95,2 bilhões no acumulado do 1º semestre, segundo a Anbima, porque as captações seguem baixas.
“As pessoas exageraram no movimento de saída e agora perderam o medo de que estão dando dinheiro para a empresa e vão perder tudo. O mercado é consistente, tem profundidade. Crédito privado é o maior tipo de ativo do planeta”, diz Daniel Pegorini, diretor-presidente e sócio da gestora de fundos Valora Investimentos.
O gestor lembra que os retornos negativos dos fundos aconteceram porque tinha pouca demanda e muita oferta de títulos corporativos no mercado, não porque as companhias deixaram de pagar suas dívidas.
Agora, com menos gente vendendo suas cotas, os gestores têm mais margem para montar carteiras pensando no médio prazo, o que pode ajudar os fundos a ter bons retornos.
No entanto, os próprios gestores de fundos de crédito privado alertam que a volatilidade é normal nesse mercado e que não é para deixar a reserva de emergência, um dinheiro para estar disponível para os momentos de aperto, como o próprio nome diz, nesses produtos.
“Percebemos que muitos investidores não olhavam o crédito privado como uma alocação de longo prazo, e sim como uma alocação de caixa. Tinham reserva de emergência nesses fundos e não estavam cientes de todos os riscos”, diz Marcia Lima, chefe de relações com investidores da gestora de fundos Quasar.
Não custa lembrar: reserva de emergência combina com títulos do Tesouro Direto atrelados à Selic ou com fundos simples sem taxa de administração, não com crédito privado.
Na avaliação de Marcia, a volatilidade dos fundos de crédito privado veio para ficar e é um sinal de amadurecimento do mercado, que hoje tem mais gestoras de fundos independentes comprando e vendendo títulos e mais empresas emitindo papéis.
Para ajudar a educar investidores de que crédito privado é para o longo prazo, as gestoras têm criado fundos com menos liquidez, que só permitem ao investidor resgatar o dinheiro em 30 dias, por exemplo.
E, ao comunicar o retorno de um fundo, as gestoras fazem questão de falar “CDI mais uma taxa de juro real”, e não um percentual do CDI, como 110% do CDI, por exemplo, já que a taxa varia ao longo do tempo. “Temos trabalhado essa comunicação com as plataformas de investimento e elas também nos cobram”, diz Marcia.
Como escolher um fundo para investir
Crédito privado é uma boa alternativa de investimento para quem tem um dinheiro sobrando e quer investir além da reserva de emergência, mas não quer correr tanto risco quanto na bolsa, aconselha Marcelo d’Agosto, consultor financeiro e colunista do Valor Investe.
Ele diz que, de fato, é praticamente consenso no mercado de que há títulos com preço bom e que aparentemente grandes companhias tendem a sobreviver e a pagar suas dívidas.
O consultor financeiro lembra que, para captar dinheiro, as empresas tendem a pagar uma taxa maior do que o Tesouro Nacional, porque o risco delas de dar calote é maior.
“Faz sentido investir para ganhar um pouco mais do que investindo em título público, não porque você tem medo do governo dar calote. Você não vai se proteger mais comprando título de empresa”, diz d’Agosto.
Apesar de ser renda fixa, esse investimento tem o risco da oscilação de preço dos títulos no mercado secundário e o risco de crédito das empresas não pagarem o combinado. Por isso, é recomendável investir por meio de fundos de crédito privado.
“É muito difícil escolher sozinho qual título comprar. Crédito privado tem muito detalhe que pode passar despercebido. O gestor do fundo lê a escritura e faz a avaliação do risco de crédito da empresa”, explica d´Agosto.
Diversas plataformas de investimentos produzem relatórios com fundos de crédito privado recomendados para investir, e escritórios de assessores de investimento, os chamados agentes autônomos, também fazem suas recomendações. No entanto, saiba que esses agentes recebem comissões para sugerir produtos, ou seja, suas recomendações podem não ser isentas.
O ideal é procurar ajuda de um consultor financeiro independente ou de uma casa de análises independente para receber sugestões de produtos sem conflito de interesses, ou então estudar os produtos por conta própria.
Os fundos de crédito privado são bastante parecidos entre si. Não é como os fundos imobiliários, por exemplo, que podem ser de vários segmentos diferentes, como shoppings ou lajes corporativas, e você precisa montar uma carteira super diversificada para investir. É melhor começar investindo em um ou dois fundos que comprem títulos “high grade”, aqueles de companhias mais confiáveis, sugere d´Agosto.
E o investidor deve entender a estratégia de gestão. “O fundamental não é conhecer a biografia do gestor, e sim entender a estratégia de investimento, o que está por trás da seleção dos títulos. Se você não conseguir entender, se for uma resposta muito genérica, melhor ficar de fora e comprar ações na bolsa”, diz d´Agosto.
Rafael Amaral, analista da casa de análises independente Capital Research, concorda que os fundos de crédito privado são uma ótima alternativa para compor uma carteira diversificada de investimentos. No entanto, ele diz que o investidor precisa estar confortável com o estresse de talvez ver suas cotas de fundos terem retorno negativo por algum período.
“Se for para resgatar o dinheiro no momento de baixa e ter um prejuízo que poderia ter sido evitado, não importa a recomendação de que é um bom momento para investir em crédito privado”, diz. Para os investidores de perfil conservador que toparem esse risco, ele recomenda investir menos de 10% da carteira em crédito privado.
Já Gustavo Gazaneo, assessor do Acqua Investimentos, escritório de agentes autônomos vinculado à XP, prefere recomendar crédito privado pensando em horizonte de três a seis meses de investimento. “Prefiro tomar risco em bolsa do que tomar risco em crédito privado no longo prazo”, diz.
Fonte: Valor Investe