17/04/2020
Quem comprou papéis depois da queda brusca, pode ter se dado bem. Mas para quem já tinha as ações na carteira e continuou com elas, as perdas ainda são fortes

Diz o ditado que o ano, no Brasil, só começa depois do carnaval. Por aqui, a volta do feriado marcou também o início da queda desenfreada da bolsa de valores. Do fim do carnaval até o começo da quarentena (que ficou mais forte a partir do dia 23 de março, que também marca o dia em que a bolsa chegou a menos pontos no ano), apenas oito das 72 ações do Ibovespa caíram menos de 20%. Seis delas (sendo quatro do setor de viagens) tiveram quedas que superavam 70%.
Quem comprou essas ações depois dessa queda brusca, no entanto, pode ter se dado bem, já que elas tiveram fortes altas desde o começo do isolamento até agora. Mas para quem já tinha os papéis na carteira e continuou com eles, as perdas ainda são fortes.
“Se a empresa cai 50%, ela tem que recuperar 100% pra voltar ao preço inicial. Se ela caiu 80% e subiu 60%, ela não chegou nem perto do preço inicial dela”, afirma Julia Monteiro, analista da MyCAP.
Segundo Marcio Lorega, analista da Ativa Investimentos, as quedas no período pós-carnaval foram muito baseadas nas expectativas que o mercado tinha para o futuro, já que o coronavírus ainda não tinha se alastrado pelo Brasil. “À medida que o coronavírus foi evoluindo, o mercado ‘precificou’, antecipou suas decisões para alinhar às expectativas que ele tinha para o futuro, então houve queda nos preços”, afirma.

As ações da aérea Gol, por exemplo, caíram 78,4% do carnaval até a quarentena ser iniciada, no dia 23 de março. Já no período de isolamento, as ações tiveram uma recuperação: subiram 68,6%. Porém, embora a alta pareça muito forte, o investidor precisa ter em mente que, com a queda anterior, as ações passaram a valer muito menos. Então, mesmo com uma alta tão significativa quanto a que ela teve, os papéis ainda têm um desempenho muito ruim, com queda acumulada de 63,6%.
Assim como a Gol, a Azul também sofreu muito no período pós-carnaval e registrou queda de 75,2%. A recuperação no período de quarentena, no entanto, foi mais branda: alta de 19,5% entre os dias 23 de março e 15 de abril. No acumulado, a perda é de 70,3%.
Por conta da baixa no preço, as aéreas ainda podem ser um bom negócio, mas apenas no médio prazo, segundo Julia, da MyCAP. “As aéreas ainda têm potencial de subir, porque ainda estão muito baratas e podem ter uma ajuda do governo. Mas no médio prazo podem cair de novo. Porque a cura do coronavírus não veio, não tem vacina, remédio, ninguém sabe quanto tempo ficaremos isolados, que tipo de isolamento e que resultado dará isso. Então não dá pra saber o que vai acontecer nessas empresas”, afirma.
Ainda no setor de viagens, a agência CVC caiu 73,4% após a volta no carnaval e subiu 76,6% no período do isolamento. No acumulado, as perdas são de 53%. Já a Smiles, empresa que administra o programa de pontos da Gol, teve queda de 72,9% após o feriado e subiu 44,29%. No acumulado, a queda ainda é de 60,99%.
“Assim como as aéreas, elas também devem receber uma ajuda governamental, para não quebrarem. Então, elas também podem ser uma boa opção no curto prazo, mas não no médio. Isso porque não dá pra fazer uma avaliação do preço quando não se sabe quando isso vai acabar. E mesmo que reabram as fronteiras, as pessoas que vão viajar primeiro, são as que serão obrigadas, por trabalho ou algo do tipo. Por opção, as pessoas ainda vão ter uma aversão a viajar”, afirma Julia, da MyCAP.
Para Lorega, da Ativa Investimentos, ainda existem oportunidades em ativos relacionados ao setor de viagens, mas elas são baseadas em expectativas. “Esses ativos estão tendo alta agora porque estão baratos e também porque as pessoas imaginam que, no futuro, o isolamento vai diminuir, as pessoas vão voltar a viajar”, afirma.
O analista destaca, no entanto, que o cenário de queda pode não ter se encerrado, principalmente por causa das incertezas trazidas pelo coronavírus. “Não existe um ponto exato para comprar. Agora, por exemplo, elas estão subindo, mas não estão com o viés de queda totalmente encerrado. Principalmente porque o cenário é incerto. Não sabemos o que vai acontecer com o coronavírus aqui no Brasil e em quanto tempo”, diz.
Além das empresas do setor de viagens, as ações da resseguradora IRB também tiveram uma queda acima de 70% no pós-carnaval. A desvalorização chegou a 77,55% entre o feriado e o começo do isolamento. Desde a quarentena, no entanto, a alta foi de 62,19%. No acumulado, no entanto, a queda é de 63,5%. “O IRB foi outra história. Ele teve troca de conselho, a alta veio mais por questões de governança. Mesmo assim, se pegarmos o preço em relação ao ano passado, está bem descontado. E não sei se tem muitas chances de subir”, afirma Julia.
Em quem apostar agora?
As empresas que menos sofreram no período logo após o carnaval também seguem com um desempenho “menos pior” no ano. O Carrefour, por exemplo, foi a única ação que chegou a subir entre o carnaval e o começo da quarentena, com alta de 6,05%. Durante o isolamento, no entanto, caiu 12,6%. A variação acumulada entre os períodos é de 7,35%.
Mas, segundo Julia, a melhor opção é investir em empresas mais resilientes, que tendem a perder menos no momento de crise e que, no longo prazo, deem um bom retorno.
“Investidor quando tem noção de risco, como é agora, vai para empresas que ele entende que serão mais resilientes. Um exemplo são os setores que se beneficiam, mesmo que no primeiro momento, da crise, como empresas alimentícias e farmacêuticas. As companhias que oferecem utilities (de serviços como energia, telefonia) também são uma forma, porque tem receita recorrente e pagam bons dividendos”, afirma.
A dica de Lorega, da Ativa, também é apostar em ativos de necessidades básicas. “Embora eles possam até não gerar altas, mas em um cenário de queda eles são menos impactados e as pessoas agora buscam proteção”, diz.
Fonte: Valor Investe