08/10/2020
‘Guarde de três a seis meses dos seus gastos mensais’. Este costuma ser o conselho do quanto se deve ter na caixinha da reserva de emergência – o equivalente para viver o período de até meio ano sem renda. Mas já se passaram sete meses desde março, quando começou o isolamento social da pandemia, que levou à crise e à perda de renda de mais de 70% dos brasileiros.
Portanto, é possível que as pessoas, sete meses depois, já estejam entrando na emergência da emergência. Praticamente acessando o volume morto de suas economias. O que fazer quando sua reserva se esgota, mas a crise continua? O Valor Investe conversou com especialistas para avaliar três cenários:
- Acabou a reserva, mas tenho outros investimentos. De quais aplicações tirar?
- Acabou a reserva, tenho alguns investimentos e recuperei a renda. O que fazer?
- Acabou a reserva e sigo sem renda. O que fazer?
Cenário 1: Acabou a reserva, mas tenho outros investimentos
Em geral, após montada a reserva de emergência com quantia entre três e seis meses de gastos, o investidor parte para a diversificação. É aí que começa a busca por mais rentabilidade, seja com investimentos de prazo mais longo ou grau de risco mais elevado.
E tanto a primeira como a segunda opção deixam o dinheiro mais suscetível ao sobe e desce do mercado no curto prazo. O que torna desinteressante que se mexa nessas aplicações em momentos de instabilidade alta, como numa crise.
Com a Selic há vários meses na mínima histórica, agora em 2% ao ano, o investidor se apressou em buscar alternativas para tentar não perder tanto a rentabilidade, que era alta e fácil na renda fixa até alguns anos atrás.
O fato é que quem usou toda a reserva de emergência vai precisar mexer na parte mais volátil da carteira de investimentos para se manter neste quadro de crise. Só que esses ativos não foram aplicados para serem resgatados num futuro próximo.
De acordo com Lucas Taxweiler, especialista de investimentos da Magnetis, a maneira mais inteligente de proceder pode ser aceitar as perdas, mas tentar reduzi-las ao máximo.
O conselho é que se avalie a carteira de investimentos e remaneje o dinheiro de outras aplicações para a reserva e assim recomponha essa caixinha o quanto antes.
Com calma, o investidor pode ir retirando pouco a pouco, em dias planejados e mais favoráveis, alguns investimentos para redirecioná-los para a reserva. Nada de deixar a corda apertar no pescoço para tirar o dinheiro de um dia para o outro, quando a conta está para vencer.
“A grande importância da reserva é que ela gera um conforto para que você justamente não precise mexer na posição de longo prazo quando não é favorável. Nesta pandemia, ativos como um todo no mercado tiveram uma queda seguindo a linha do Ibovespa. Dificilmente o investidor teve um retorno positivo nesse tempo”, avalia.
Consultora de investimentos da Órama, Sandra Blanco, afirma que não há uma regra geral para momentos como este. Mas há princípios que podem dar uma pista de por onde começar, como a liquidez dos ativos.
“Cada caso deve ser analisado com particularidade. Se a pessoa tiver uma carteira diversificada e tem esses recursos para resgatar, provavelmente deve começar pelo que tem mais liquidez. Geralmente eles correm menos risco, possivelmente devem ter sofrido menos na pandemia. Dessa forma, ela resgataria com menos prejuízo”, afirma.
O melhor mesmo é não fazer tudo às pressas. O investidor deve se antecipar para fazer o resgate num dia de menor perdas para ativos que enfrentam sobe e desce diário, por exemplo.
Ao ver que a reserva está no fim, o investidor já deve começar a investigar de onde vai tirar o dinheiro, seguindo critérios como:
- Liquidez – Que títulos estão mais perto de vencer?
- Retorno – Algum deles está com saldo positivo?
- Redução de danos – Que ativos tiveram menos perdas no período?
Para o educador financeiro e sócio da Trader Brasil, Alan Soares, como cada caso é diferente, nada melhor que buscar seu assessor financeiro, alguém no banco ou corretora para avaliar sua carteira como um todo.
“Sempre fale com o assessor de investimento, ele consegue verificar dentro da carteira o produto que está mais perto de ter liquidez. Os que estão com ganhos e os que não estão. O ideal é procurar o que esteja com a liquidez mais próxima ou que esteja dando lucro“, diz.
Mas nem tudo é tragédia. Existem ativos que podem ter, sim, tido algum rendimento a depender de quando o investidor realizou a aplicação, embora a maioria tenha sofrido perdas, até mesmo os fundos mais conservadores, como lembra a educadora financeira Luciana Ikedo.
“Os ativos prefixados (Tesouro Prefixado), que tenham sido comprados antes da turbulência chegar, possuíam taxas mais altas, pois consideravam uma curva de juros futura mais otimista, assim são negociados com valorização quando os novos títulos são ofertados com taxas menores na plataforma do Tesouro Direto. O Tesouro IPCA +, que considera a inflação, sofreu um pouco mais com a redução do consumo e com a baixa perspectiva de inflação no curto e médio prazo“, aponta a especialista.
Como os números sugerem, as aplicações atreladas diretamente ao CDI e sem taxas (como os fundos DI) não sofreram perdas. Apenas tiveram a rentabilidade reduzida. Isso, no entanto, até agosto, porque em setembro, com o receio dos investidores com relação ao teto de gastos (fura ou não fura), os papéis Tesouro Selic passaram a ser negociados com desconto, o que se refletiu em boa parte dos fundos DI, que registrou perdas nas cotas, algo que não acontecia há 18 anos.
Para quem tinha dinheiro em fundos de ouro, por exemplo, a hora pode ser boa para liquidar (pedir o resgate), principalmente se a reserva de emergência está escassa.
Segundo o educador financeiro Alan Soares, uma outra maneira de tentar mitigar as perdas é saber se a corretora (ou intermediador dos investimentos) permite acesso ao mercado secundário. Esta seria uma opção para tentar se desfazer de ativos menos líquidos.
Alan explica que, mesmo que a atual corretora não ofereça a condição de negociar no mercado secundário, o investidor pode fazer a portabilidade dos recursos para uma corretora que tenha essa alternativa. Claro, sempre colocando todas as tarifas e custos na ponta do lápis para saber se migração de um intermediário para outro vale a pena.
Cenário 2: Acabou a reserva, tenho alguns investimentos e recuperei a renda
Existem pessoas que tiveram de esvaziar a reserva de emergência, mas já veem alguma melhora de cenário. Nesta situação, há dinheiro entrando no caixa, seja porque as pessoas voltaram a trabalhar, seja porque saíram de condições de contrato suspenso ou carga horária reduzida.
Surge então a dúvida sobre o que vale mais a pena:
- Opção 1: Reconstruir a reserva devagar, com o salário mês a mês, sem mexer nas demais aplicações?
- Opção 2: Reorganizar a carteira o mais rápido possível mesmo que com prejuízos?
“Às vezes faz sentido auferir um prejuízo de curto prazo para ter mais previsibilidade. É bastante interessante cogitar esse rebalanceamento para a reserva, mesmo que com pequenos prejuízos de curto prazo”, responde Lucas, da Magnetis.
Ele destaca ainda que o momento é de rever toda a carteira. Se o investidor tiver tido ganhos recentes na renda variável, ele possivelmente está com um portfólio em desequilíbrio, porque a renda fixa perdeu muito do retorno. Portanto, há muito mais patrimônio em risco na renda variável.
Logo, ele sugere que o investidor redistribua seus recursos para ativos mais líquidos, que não tragam tanto prejuízos se forem resgatados antes do tempo.
Outra dica dos especialistas ouvidos pelo Valor Investe é rever os gastos, tentar apertar um pouco mais as contas para tentar recompor a reserva o mais rápido possível.
“Pode acontecer alguma outra emergência. A pessoa tem que ter uma reserva mais robusta. O ideal é fazer o remanejamento para já ter uma reserva de dois ou três meses para evitar o prejuízo de fazer um remanejamento às pressas em momento inapropriado e gerar mais perdas”, diz Sandra, da Órama.
Até na hora do aperto, o planejamento financeiro vêm para salvar o pequeno investidor, ressalta a educadora financeira Luciana Ikedo. “Quando essa análise de mudanças na carteira é feita de maneira antecipada, ou seja, antes que a liquidez seja zerada, o resgate ou venda de outros ativos pode ser planejado a fim de se evitar grandes perdas com a alta volatilidade do mercado”.
Cenário 3: Acabou a reserva e sigo sem renda
Há ainda as pessoas que ainda estavam começando a se organizar financeiramente e a reserva era tudo que tinham.
Para aqueles que não dispõem de outros recursos, o mais aconselhável é reduzir ao máximo o que for possível os gastos e despesas mensais, afirma Luciana. Segundo ela, também é interessante buscar outras fontes de renda para reduzir o risco de endividamento.
Mas quando não houver saída e o empréstimo for a alternativa que resta, fique atento a algumas dicas. Evite linhas de crédito pré-aprovado e de juros altos, como cheque especial e cartão de crédito.
Lembra que usar o tempo a seu favor e ter o mínimo de planejamento pode salvá-lo de ciladas? Isso também funciona para empréstimos. Se perceber que a coisa vai apertar, programe um empréstimo, de forma pensada, com pesquisa de taxas e condições de pagamento.
“Consolidar todo o endividamento numa única operação de empréstimo, com prazo alongado, aproveitando a redução da taxa de juros e com uma parcela que caiba no orçamento, pode ser importante para que o equilíbrio seja reestabelecido“, avalia Luciana.
Ela diz ainda que empréstimos com garantia real, como aquelas com garantia de imóvel ou garantia de automóvel, podem trazer melhores taxas e prazos e são alternativas interessantes neste momento.
Lições que ficam

O susto de ver a reserva de emergência acabar antes de uma vacina ou solução para a pandemia de covid-19 pode trazer algumas lições importantes para quem quer sempre cuidar melhor das finanças.
“Um outro erro que as pessoas cometiam é ter o provisionamento só de três meses, deveria ser de seis meses, quiçá um ano. Porque não é corriqueiro a pessoa perder emprego e se reposicionar em apenas seis meses. Isso deve ser ampliado, sobretudo num cenário de crise”, afirma o educador financeiro Alan Soares.
Ele diz ainda que talvez alguns investidores devam repensar para fugir da premissa de que “o barato que sai caro”. Segundo o especialista, muitas corretoras vêm oferecendo taxa zero, o que a princípio parece uma boa barganha, mas pode deixar os menos experientes sem assistência em momentos críticos.
Tanto Alan como Lucas, da Magnetis, se dizem preocupados com a leva de investidores em bolsa e partindo para ativos de risco. É saudável diversificar, mas o investidor deve ter conhecimento, estar minimamente assessorado e entender os riscos.
“Temos várias pessoas entrando em um ambiente de risco sem saber exatamente do risco que estão correndo. A maioria dos investimentos na B3 são de R$ 500, R$ 1.000. Eu fico com receio que em algum momento a bolsa caia, e é normal essas correções. O problema é que, de uma próxima vez, a recuperação pode não ser tão veloz quanto aconteceu agora recentemente“, afirma Alan.
A onda de desespero por rentabilidade após a queda da Selic pode ter feito com que muita gente se precipitasse e acabassem entrando em coisas que não compreende.
“É importante que o investidor não fique ancorado nos resultados dos últimos meses. A gente começa a ver de novo investidores tomando risco acima do que estão dispostos a correr com projeções que não são realistas“, pontua Lucas.
A assessora de investimentos Luciana Ikedo afirma que o cenário exige revisão. Para quem está entre a maioria que perdeu a renda, deverá refazer as contas e rever os hábitos de consumo para que a reserva de emergência seja realmente eficaz, dentro da nova realidade.
“Do ponto de vista comportamental, algumas coisas podem ter mudado. Ao se depararem com perdas bruscas no meio de uma crise, investidores que eram agressivos antes da pandemia perceberam que talvez o palpitar do coração e as borboletas do estômago indicassem que o próprio perfil tenderia muito mais para o lado moderado-conservador do que para o moderado-agressivo“, diz
Fonte: Valor Investe