27/01/2020
Desde 2015, 14 mil deles deixaram o país. Os destinos escolhidos são, principalmente, Portugal, Estados Unidos e Espanha.

O Brasil deve somar 457 mil milionários até 2022, com um patrimônio de R$ 1,7 trilhão, um crescimento real composto de 5,3% e 4,4% ao ano, respectivamente, desde 2018. A confirmar essa ordem de grandeza, será uma expansão 7% acima da média projetada mundialmente na acumulação de ativos financeiros e de 5,3% no passo de brasileiros ascendendo ao clube dos mais ricos.
Tais cifras, estimadas pela Roland Berger, ensejam anos promissores para os serviços de private banking (área dos bancos feita para atender especificamente os milionários), que acolhem normalmente quem tem patrimônio financeiro a partir de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões.
Só que a oferta de produtos de terceiros e a segmentação baseada apenas nos volumes sob gestão são hoje insuficientes para reter o investidor nos serviços de private tradicionais, diz António Bernardo, presidente da Roland Berger no Brasil e América Latina. Para o executivo, os bancos falham em só dividir o cliente por faixa patrimonial, subestimando assim o seu porte.
Não é incomum o investidor ter R$ 1 milhão num banco e outros R$ 14 milhões em outro lugar. “A segmentação tradicional existe mais para o banco definir qual o seu custo de servir o cliente do que olhar de fato para o valor gerado para ele” diz Guilherme Vitolo, diretor-executivo da consultoria.
Ele afirma que normalmente os bancos distribuem os clientes em três caixas: os milionários afluentes, com valores entre R$ 3 milhões a R$ 5 milhões, até R$ 10 milhões ou R$ 15 milhões; o “high net worth individuals”, entre R$ 10 milhões a R$ 15 milhões até algo entre R$ 50 milhões e R$ 70 milhões, e o “ultra high net worth individuals”, com fortunas de R$ 50 milhões a R$ 70 milhões para cima.
Para Bernardo, com o uso da inteligência artificial é possível ter uma segmentação comportamental do cliente por idade, momento de vida e pelas preferências. Dessa forma o “banker” pode filtrar o tipo de aconselhamento que o cliente demanda, se o viés é só monetário ou se a assessoria se estende a ativos imobiliários ou até ao mercado de arte, por exemplo.
Além do ajuste fino no perfil, Vitolo diz que outro aspecto dos serviços de fortuna dos bancos será trabalhar os objetivos de longo prazo, porque apenas mostrar o retorno em relação a certos indicadores vai frustrar o investidor já que haverá uma percepção de rentabilidade mais baixa à frente. “Tem que saber se os clientes têm plano de fazer sucessão, em que momento de vida estão, outros talvez estejam mais preocupados com questões tributárias.”
Olhando o todo
Esse é um tipo de serviço que as gestoras de patrimônio independentes se tornaram especialistas. “O ‘family office’ não se limita à decisão financeira, engloba todos os aspectos patrimoniais do cliente. Quando vai fazer a gestão, a preocupação é preservar o patrimônio familiar por 20, 50 anos”, diz Sigrid Guimarães, sócia e executiva-chefe da Alocc, escritório de gestão de fortunas que reúne R$ 5,5 bilhões.
A executiva conta que o movimento de queda de juros nos últimos anos contribuiu para uma maior procura pela gestão independente. “São pessoas que não pensavam sobre isso e ficavam na renda fixa com seu 1% [ao mês], mas que agora, se não se preocuparem com uma boa alocação, o patrimônio não cresce, as famílias não vão atingir a suas metas atuariais aplicando na renda fixa no patamar que está hoje.”
Para Sigrid, os private banking vêm mudando, mas ainda existe a questão do conflito de interesse. “Quem remunera a gestão é o cliente, eu não estou atrelada a nenhuma instituição financeira, a nenhum prestador de serviço, a estrutura é 100% alinhada aos interesses do cliente, independentemente de onde o recurso está.”
Do lado da remuneração, Bernardo, da Rolang Berger, diz que alguns competidores passaram a apresentar propostas mais amigáveis. Aos poucos, começam a desenhar modelos que levam em conta o valor criado para a carteira do investidor em lugar de um comissionamento fixo em cima do patrimônio administrado.
Nos países desenvolvidos, a gestão de patrimônio independente está mais consolidada, prossegue Sigrid, da Alocc. “Aqui, se parar para pensar só tivemos uma geração de acúmulo de capital, há uma perspectiva enorme pela frente.”
Em seu estudo, os especialistas da Roland Berger citam que nos próximos 15 anos, um percentual relevante do total de ativos sob gestão do público do private vai ser transferido para os herdeiros. Nessa transição, em geral os serviços de fortunas dos bancos conseguem reter cerca de 30%.
No clube dos milionários
Evolução de indivíduos e volumes (acima de R$ 1 milhão)
Data | Quantidade | Valores (R$ bi) |
2018 | 371 | 1,433 |
2014 | 400 | 1,072 |
2020 | 411 | 1,538 |
2016 | 423 | 1,390 |
2022 | 457 | 1,705 |
De olho nos herdeiros
Atentos a essa realidade, os bancos buscam se aproximar dos herdeiros. No fim do ano passado, o Banco do Brasil realizou um programa em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a PWC, juntando executivos do banco, para falar de gestão de carteira e de planejamento fiscal e sucessório, conta o gerente do private banking Francisco Lassalvia. “Trazendo esse herdeiro para dentro de casa podemos perpetuar o relacionamento [deles] com o banco.”
O BTG Pactual também tem um trabalho dedicado às novas gerações, conta Rogerio Pessoa, sócio-responsável pela área de gestão de riqueza do banco. A instituição faz anualmente, em Nova York, um encontro com 50 filhos de clientes que podem se tornar líderes. Nesses eventos tem percebido, por exemplo, uma atenção maior a investimentos de impacto.
Outra tendência para o setor é a mudança de famílias para outros mercados. A Roland Berger estima que desde 2015, mais de 14 mil milionários deixaram o país. Os destinos escolhidos são, principalmente, Portugal, Estados Unidos e Espanha.
Só em Portugal, Bernado estima que as famílias brasileiras tenham R$ 10 bilhões em ativos. Não é por outra razão, diz, que alguns bancos têm colocado o pé no país. “Assim como a Suíça ou Luxemburgo, Portugal tem se transformado numa praça financeira, e com a vantagem de ser mais barata [fiscalmente]”, diz. Com os acordos de troca de informações globais e os programas de regularização de ativos, diminuiu a percepção de valor do sigilo suíço, diz Vitolo.
Itaú e BTG já fizeram esse caminho. Carlos Albertotti, diretor comercial do private do Itaú, diz que não pretende abrir um banco em Portugal, mas já tem um profissional dedicado ao público private, com a função de prospectar clientes e de ser o conselheiro financeiro para quem queira abrir conta na Suíça ou nos Estados Unidos. Dos cerca de R$ 500 bilhões no private, mais de R$ 110 bilhões estão fora do Brasil e a tendência é que essa diversificação prossiga, dado o diferencial de juros menores, cita.
O BTG inaugurou um escritório em Lisboa, em janeiro, para ficar mais perto do cliente que decidiu fixar residência fiscal fora do Brasil, diz Pessoa. “Antigamente, o investidor procurava por proteção, por medo de o câmbio andar muito ou algum problema macro maior pelos ciclos eleitorais. Hoje, ele quer sair pela diversificação de patrimônio mesmo.” Dos clientes do private do banco, há mais de R$ 20 bilhões fora do país. Pessoa estima que em alguns anos a parcela investida no exterior chegue a 25% dos ativos sob gestão.
Fonte: Valor Investe